quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Contas da vida



Os meus 54 anos me ensinaram muitas coisas. Coisas para guardar, coisas para mudar e coisas para jogar fora. Dentre as coisas para jogar fora está a pressa. Pressa para o dia render. Pressa por pressa. Pressa para ler e dar conta de outros tantos livros que me olham, pacientemente, há meses. Pressa para falar. Pressa para fazer as refeições. Pressa para escrever. Pressa para ouvir os tormentos alheios. Pressa para curtir o por do sol. Pressa para tomar o chimarrão. Pressa para aprender. Pressa para desaprender. Pressa para admirar as flores da buganvília. Pressa para respirar. Pressa para emagrecer. Pressa para apreender o essencial.

Dizem que o apressado come cru. O povo sabe das coisas não por acaso. Milênios o ensina.

17.09.08

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Sempre aos domingos

Aos domingos, os rapazes visitavam as namoradas no internato. Durante a sesta das moradoras, eles chegavam. Quietos, para não chamar a atenção da chegada. Não era proposital e nem pré-determinada a atitude. Era assim. Como um acordo tácito entre as partes. Éramos em torno de quatro ou cinco meninas em idade de namoro. Havia uma única sala para visitas. Era o lugar onde ficávamos. Na verdade, o namoro era em grupo.

Um domingo, a madre superiora interrompeu o acordo. Chegou, sorrateira. Fiquei alguns segundos sem respirar. Não sei os demais. O que ela teria vindo fazer? Acabar com as visitas domingueiras? Passar um sermão? Colocar regras e horários, ou nada disso?

O grupo manteve a conversa e o bom-humor. Pelo menos, na aparência. E como uma orquestra começou a tocar o instrumento com uma afinação sem igual. A solução foi inusitada. Um de cada vez falava sem parar. A conversa não permitia brechas para a madre dizer a que veio. De tudo foi lembrado. Do aniversário do dia anterior, da festa do próximo domingo, do sucesso da quermesse para angariar fundos para a construção do ginásio de esportes, dos novos jogos adquiridos pelo colégio, do destaque de algumas internas nos campeonatos de vôlei e pingue-pongue da cidade, dos preparativos para o aniversário dela no próximo mês e muito mais. Como uma partida de vôlei. Quando alguém pegava a bola, passava para o outro e chegava à rede para marcar ou não o ponto, mas não interessava.


A madre abria a boca e era logo interrompida. O que ela teria vindo fazer naquele dia e naquele horário como intrusa entre os jovens apaixonados? Depois de 40 anos, às vezes me pergunto: o que ela pretendia nos dizer? Será que ela nutria algum temor? Será que ela não aceitava as visitas? Nunca soubemos.

De repente, ela levantou-se, calma, alegre, e foi embora. Sem dizer uma palavra.

28.11.08






domingo, 30 de novembro de 2008

As confissões que não confessam




Assisti ao filme As Confissões de Henry Fool. Ele é perturbador, deprimente e violento. Apresenta o submundo americano, leia-se o mundo da maioria dos imigrantes clandestinos, de uma maneira notável. Mostra que nem sempre o acreditar no sonho e o persegui-lo com obstinação são razões suficientes para o sucesso e o reconhecimento público.

O fator sorte, o estar no lugar e na hora certa fazem toda a diferença. Mas, quando o lugar e a hora são errados? Bem, então é o caos em toda a sua plenitude.

Na verdade, as confissões não confessam porque o escritor é enterrado-vivo pelo seu tempo. Se até Monet vendeu apenas um quadro em vida, fica o registro - consolo para os incompreendidos pelos seus contemporâneos. E a dica para que assistam ao filme.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Amizade

Uma das passagens mais marcantes que li sobre a amizade foi no livro Saber Envelhecer Seguido de A Amizade, de Cícero, em que ele diz que a amizade vale mais que o parentesco porque você pode ter parente sem amizade, mas não pode ter amigo sem amizade.

Ele destaca de que a amizade não é senão uma unanimidade em todas as coisas divinas e humanas, acompanhada de afeto e de benevolência. E pergunta – não seria ela, excetuada a sabedoria, o que o homem recebeu de melhor dos deuses imortais.
Acredito que Cícero interpretou como ninguém este sentimento profundo e confortante dos humanos. Sentimento que nos aquece o coração nos momentos difíceis e naqueles em que necessitamos extravasar a alegria da alma. Amigo é um bálsamo da vida. Como água fresca nos dias em que o calor nos consome o corpo.

Eu tenho uma amiga, alma gêmea. Quase não nos falamos, mas somos amigas. Parece que a fala é dispensável entre nós. A amizade alimenta o espírito e nos conforta. Sempre. Ela sabe o lugar em que está guardada a nossa amizade. Eu também sei. É um privilégio ter uma amiga assim. Nas horas de aperto, de dúvidas, ou de contar as coisas boas, sabemos onde a outra se encontra. Temos a certeza da alegria e do compartilhamento mútuo.


Eu aplaudo as conquistas, a filha, o marido, o trabalho, os cursos dela como se aplaude as conquistas de um filho. Com amor, pleno!






12.03.07

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Agradecimento público ao Saramago



Quando ainda estava indecisa em aventurar-me pelo mundo da literatura, li esta pérola de ninguém menos que o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 – o português, José Saramago: “todos nós somos escritores, todos nós escrevemos (fazemos) histórias, a diferença é que alguns escrevem, outros, não”. A interpretação pode ser esta: todos nós somos escritores, eu faço parte deste todo, então, eu também sou (posso ser) uma escritora.

O silogismo (as afirmações e as deduções) está correto. Perfeito. Então, mãos à obra. A partir deste dia, o ato de escrever tornou-se o motivo maior para eu pular da cama toda a manhã, depois dos exercícios físicos na academia da Luíze.

A crônica é o resultado final de um processo de maturação de uma idéia, de pesquisas, do olhar atento, da busca da palavra certa, da clareza, da expressão do sentimento, das rememorações no baú das lembranças, do cuidado para não expor as pessoas e da criação de um estilo.
Anoto muito. Idéias, palavras, expressões e sentimentos. Em muitas vezes, a memória falha quando a necessito. Inúmeras ocasiões, levanto da cama para anotar algo de que lembrei, li em algum livro, ou assisti na tevê. É comum acordar com um novo termo, uma nova expressão ou um novo título para substituir o já escrito.

A experiência é valiosa. Da jornalista que sou para a escritora que me torno, a diferença é o estilo. O amor, é o de sempre. Obrigada pela força, Saramago. Vou me apropriar do seu Ensaio Sobre a Cegueira para enxergar o essencial. Com certeza, pois.

04.09.08

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

EUA surpreendem o mundo

Lembro do primeiro dia em que o queijo chegou à mesa do café da manhã. Bonito, viçoso e a casca em volta tinha uma espécie de cera cor de rosa. Lembro de alguém falar que ele havia vindo dos Estados Unidos. Eu fiquei perplexa com a bondade deste lugar. Não sabia direito onde ficava, mas me disseram que ficava bem longe de Soledade. Esta história me marcou. Tanto, que estou contando-a hoje. Talvez, a única coisa boa que ouvi deste lugar em criança.

Mais tarde, não lembro quem contou de que os negros eram tratados com muita discriminação nos Estados Unidos. A tal ponto, que eles não podiam usar o mesmo banheiro que os brancos e nem sentar-se com eles nos ônibus. Não sei bem a disposição em que ficavam - se o ônibus era dividido ao meio no comprimento ou pela metade, em que uns ficavam na frente e os outros atrás. Eu fiquei sem palavras. Não podia ser verdade esta história, se até queijo eles mandaram para o internato.

Outro dia marcante foi em novembro de 1963, no momento em que encontrei uma irmã em prantos pelos corredores. Perguntei: - irmã, por que a senhora chora tanto? Ela me olhou com os olhos vermelhos e inchados, ameaçou me contar o motivo, e saiu correndo aos soluços. Depois soube por alguém que havia morrido o presidente Kennedy, dos Estados Unidos, assassinado!

Naquela época, as informações não eram instantâneas. A tevê nem transmitia uma imagem nítida em minha cidade. Era só chuvisco. E as crianças não ficavam sabendo das notícias do mundo. Aliás, nem tínhamos tempo para isso. As brincadeiras ocupavam todo o nosso interesse.

Eram outros tempos. Hoje, qualquer criança mexe em computador com muito mais destreza do que os adultos. Hoje, se perdeu muitas coisas e se ganhou outras tantas. Como o primeiro presidente negro da história do povo americano. Pela primeira vez um homem negro vai morar na Casa Branca, a casa mais poderosa do planeta. Quem contasse esta história há 50 anos, seria no mínimo chamado de louco ou de uma pessoa que sonhava acordado.

Há indícios de novos tempos no ar. Aguardemos!

07.11.08

domingo, 2 de novembro de 2008

A vocação

Quando assisto uma entrevista com o cirurgião plástico, Ivo Pitanguy, tenho a mesma impressão. A de que ele é um cirurgião do corpo e da alma das pessoas. A de que ele capta as necessidades do espírito em primeiro lugar. É um reparador, mas, sobretudo, um esteta. Não é por acaso. A sensibilidade e a humildade que ele transmite são impressionantes.

A fala é pura poesia. Talvez por isso, consiga apreender o essencial nas pessoas que o procuram. As dores não ditas, muitas vezes, nem aparentes ao outro, apenas a quem as sentem. Mais ou menos como a dona-de-casa que ao receber elogios pela beleza e organização dos ambientes, esconde secretamente os pequenos defeitilhos que somente ela conhece.Para os demais, passa imperceptível a desarmonia. Mas para quem sente a feiúra estampada, o complexo que o dilacera, o não conseguir olhar-se no espelho ou sentir-se confortável com o álbum de fotografias, é dolorido.

Lembro de uma amiga que sofria terrivelmente porque achava o ossinho do pulso muito acentuado. Ora, cá entre nós, será que alguém repara num ossinho tão insignificante? Acredito que ninguém. Somente ela.

Para mim a diferença entre ter talento e ter vocação é a seguinte. Alguém pode ter talento para cozinhar, mas a elaboração de pratos saborosos não é o que o arrepia. Já a vocação é o contrário. Parece que a pessoa nasceu para fazer uma determinada coisa. É um caso de amor natalício.
Sinto que Pitanguy faz da cirurgia plástica o poema de sua vida. O sucesso? É decorrência. Não poderia ser diferente.


08.10.08

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Ler para não crer



Eu morro e não vejo tudo. Esta expressão herdei de minha avó que deve ter herdado da avó dela. Eis a razão do assombro. Há várias comunidades no orkut defendendo que a menina Eloá deveria morrer porque era uma prostituta que há três anos andava transando com os meninos. Eu custo a acreditar nisto. Em pleno século XXI, jovens com este pensamento!

Será que voltou a inquisição e não me avisaram? A fogueira é outra, é claro! Hoje possui um verniz sofisticado, é virtual, é mundial, mas não menos cruel. Hoje ela é apenas, planetária.

Admitamos que a menina tivesse um comportamento sexual livre, mas será que a intenção é mandar para a fogueira todas as prostitutas do planeta? Com que direito os moralistas de plantão se manifestam desta forma? Quem os nomeou arautos da defesa dos pobres meninos ingênuos e ludibriados? Esta é a pergunta que não quer calar. Que mundo estamos?

28.10.08

domingo, 26 de outubro de 2008

A novela da vida

Há algum tempo, ouvi o Manuel Carlos, autor de novelas da TV Globo, dizer no programa Sem Censura da TV Cultura algo que jamais esqueci. Quando alguém o aborda falando que sabe de uma ótima história que pode virar uma novela, ele logo pensa: não dá. “A vida é tão cheia de detalhes, de riqueza de sentimentos”, que a ficção jamais vai conseguir retratá-la” ipses literes.

De tempos em tempos, ouço histórias reais humanas de vida e lembro dele. Como esta: o filho de aproximadamente 35 anos e desde os 15 ou 16 é alcoólatra e viciado em cocaína, crack e demais drogas pesadas alucinógenas que encontrar pela frente. Já percorreu todos os caminhos que muitos dependentes já o fizeram. Psiquiatras, internações em instituições, já vendeu a roupa do corpo para comprar drogas, já roubou, já perdeu mulher e filho, melhorou, ficou um ano sóbrio, a mulher e o filho voltaram. Uma trégua para todos.

Apenas uma cheiradinha inocente e a queda vertiginosa ao vício pela enésima vez. Retorno à instituição e a fuga de lá como conseqüência. No momento, o apelo assustador e arrasador ao crack. Passa as madrugadas batendo na janela do quarto da mãe para pedir dinheiro. Pode ser 5,00 ou 10,00 ou 15,00 reais. Para o crack. é claro! A mãe dá! Imaginem o horror desta mãe. A tortura! A dor, no cerne! Talvez pela falta de opção, ou por medo. Medo da morte, do roubo, da polícia, da prisão, da briga e da perda. Da perda da esperança.
Do terror de perder o amor levado pelas águas turvas do desespero para sempre. E da perda de si mesma!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Os contornos e os transtornos do amor

O amor tem contornos e transtornos que até Deus duvida. Para o bem, ou para o mal. Mas será que o problema está no amor, ou naquele que ama? Ou será que está na dificuldade em aceitar a perda da pessoa objeto do amor? Que formação ou deformação foi esta que fizeram contigo? Que apelos tão fortes o fizeram acreditar que não poderias perder?


Ninguém foge aos ditames sociais. Ninguém foge aos anúncios que apregoam o belo, o sarado, o carro novo, as belas garotas, o sucesso, a felicidade. Acreditamos neles. Uns mais, outros menos. Infelizes daqueles que acreditam demais e fracassam. Infelizes daqueles que não suportam a perda. Infelizes ,Lindembergues da vida.

Não consigo ter outro sentimento, somente uma pena dolorida de você. Muita pena.


21.10.08

domingo, 19 de outubro de 2008

A vida por um fio

Ela decidiu por um ponto. O derradeiro ponto final. O que sobra depois do ponto? Nada. Por isto se chama ponto final. Preparou cada detalhe. Escreveu duas cartas: uma para a filha e outra para uma sobrinha.Deixou os carnês de lojas a serem pagos sobre a mesa de refeições com os referidos pagamentos dentro de cada um, pois não queria o seu nome sujo na praça. Deixou os cartões de crédito e os documentos.

Sabia que somente duas pessoas tinham a chave da casa, a filha e o genro, mas não chegariam antes das seis da tarde. Fechou as janelas com cuidado, olhando para os lados. Desligou a tevê. Colocou os óculos sobre o bidê. Levou o botijão de gás para o quarto, tirou a válvula, trancou a porta e deitou na cama. O tempo que ela ficou ali não se sabe.

O genro lembrou que havia deixado uns documentos em casa, voltou para buscá-los por volta das treze horas e sentiu um terrível cheiro de gás, desde a entrada.Bateu duas vezes na porta do quarto da sogra e nada. Ele arrombou-a a pontapés. A mulher encontrava-se imóvel e branca como um papel. O genro interrompeu a decisão. Para o bem ou o mal da mãe da sua mulher.

Que nome podemos dar a isto? Quem sabe?



14.10.08



terça-feira, 14 de outubro de 2008

A vida como ela é

Esta história me chocou. Depois, respirei fundo, e continuei chocada, mas por motivos diferentes. A de que uma senhora estaria alegre ou aliviada ou as duas coisas com a morte do marido. Num primeiro momento, fiquei espantada e disse: ai! que horror! que desalmada!
Após o susto, comecei a imaginar a vida que este casal construiu ou (des) construiu para que a viúva estivesse neste estado de humor depois de mais de 30 anos de vida em comum com o falecido.

Quem sabe das noites mal-dormidas, dos choros e das tristezas por causa de brigas, desentendimentos ou mal-entendidos? Quem sabe dos não-ditos, dos silêncios profundos e das mágoas acumuladas durante estes anos? Quem sabe das palavras ditas nas horas erradas e das não ditas na hora certa? Das pequenas decepções e das grandes? Quem sabe do olhar perdido e evasivo? Dos sonhos não realizados ou das expectativas frustradas? Quem sabe da miudagem, das coisas pequenas de que são feitos o dia-a-dia?

Ao que tudo indica parece-nos que na balança da vida os momentos bons não foram suficientes para suportar os não- tão-bons. Por fim, no coração de quem aperta o calo?

24.09.08

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A vida às avessas

Outro dia, uma amiga me disse que passou boa parte da vida sem rir. Imagine a tristeza! Motivo? Não gostava da boca. Que nem eu. A única diferença entre nós era o riso largo. Sempre dei boas e deliciosas risadas, apesar da boca. Até que um belo dia, alguém me disse que o meu sorriso era o destaque do rosto, a simpatia. A partir de então, passei a rir com outros olhos. Cada vez, mais pessoas corroboravam esta opinião. Fui me convencendo, aos poucos. O mesmo aconteceu com o nome – Terezinha – desde a mais tenra idade, achava-o sem graça. Qual é o charme de alguém se chamar Terezinha? Pensava. Até ouvir alguém dizer que quem faz o nome é a pessoa. Então, tratei de cuidar da pessoa. O nome era secundário. Dito e feito. A vida passou a ficar mais interessante e o nome, idem.

Com a minha amiga ocorreu o mesmo. Depois de sofrer por anos com um complexo que a tornava antipática e carrancuda, assumiu a boca e passou a rir das graças do mundo.
Lembro que durante a nossa troca de infortúnios - adolescentes, pensamos numa inversão à ordem da vida. Poderia ser ao contrário. Início, maduros, tranqüilos, assumidos como humanos, com as coisas boas e as nem tanto; estáveis no trabalho e na área financeira para podermos gozar a vida com o vigor e a energia de jovens. O término, como crianças. Criando histórias, brincando, inconseqüentes, ingênuos e puros.

E felizes! Com gosto de missão cumprida.

07.08.08

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Chegou a primavera

Chegou a primavera trazida pelo vento. A sensação para quem mora aqui no extremo sul do Rio Grande do Sul é a de que o vento chega para trazer as flores e levar consigo a umidade para o hemisfério norte. Todos afirmam por estas bandas que a cidade de Pelotas só perde em umidade para Londres.

Sinto na mudança de estação algo de renovador. Trocam-se as roupas. As do inverno são lavadas e guardadas para o próximo frio e as de verão que jaziam esquecidas vão diretamente para a máquina de lavar, ou para o tanque, ou para tomar sol. Descartes e doações também são bem-vindos.
As trinchas encharcadas de água sanitária não param. Tudo é lavado. Desde as paredes, janelas até as calçadas. Não escapam da faxina os edredons, cobertores e as pantufas. As janelas são abertas, não tanto como gostaríamos, por causa da ventania, mas já é o bastante para quem passou meses hibernando debaixo de uma neblina intensa.

O sol começa a aparecer e traz o calor para os olhares um tanto descrentes dele. Os ufólogos, se morassem em Pelotas, teriam a certeza da inexistência de ETs , se não já teriam aterrissado por aqui trazidos pelo vento primaveril.

Acredito que as pessoas magras devem andar na rua com pedras nos bolsos para não correrem o risco de serem levadas para planetas desconhecidos. O vento parece chegar para fazer a troca de energia necessária à vida. Nas casas, nas ruas e despertar as flores do sono profundo.


Li uma vez em algum lugar do passado que a sabedoria da vida está em aprendermos a conviver com todas as estações. O vento é o nosso teste do momento.


02.10.08

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A troca de favores

Uma amiga me disse que vai votar no candidato que consertar as linhas telefônicas da região em que ela mora. Fiquei pensativa. Não perguntei se ela sabe qual é o papel do vereador. Era evidente, a resposta. Até porque fazer leis não conserta rede telefônica.

Ela transfere a procuração de poder ao candidato por pequenos rolos de fios.
Eu conheço bem este mundo. Trabalhei como assessora de imprensa de um vereador em duas gestões em Pelotas. Os lamentos na Câmara de Vereadores são meus conhecidos. As pessoas chegam para pedir. Uma cadeira de rodas, uma consulta médica e preparação de papéis para a aposentadoria. Indicação para emprego liderava a lista de pedidos e, muito, muito, mais.

Eu ficava impressionada com a infinidade das carências e, pior, com a incapacidade do Estado em supri-las. A necessidade maior era a falta de informação. O não saber como as coisas do dia-a-dia funcionam torna o mundo indecifrável e impossível. A solução passa a ser o vereador porque eles sabem que têm na mão uma moeda de troca preciosa. Triste realidade.

02.09.08

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A superação

A perfeição. Nada menos é o que eles buscam. A superação de si mesmo. Em força, em exercícios, em sintonia, em harmonia, em rapidez, em jogadas precisas, em tiro ao alvo e em beleza. Tudo vale para o reconhecimento público. Disciplina espartana, treinos em torno de 07 a 08 horas diárias, vida regrada, a separação da família, em muitos casos, e outros sacrifícios. Vale até a alteração física: braços e pernas com músculos acentuados, baixa estatura, ou ombros largos. Tudo, para vencer os limites pessoais e dos concorrentes. Tudo, para chegar ao pódio. De preferência, o lugar mais alto. Até, esquecer a dor.

A determinação, a vontade de vencer-se a cada dia são a marca desta espécie de criatura, lutadora por natureza. Algo muito forte os move. Algo sutil os diferencia. Poucos décimos, poucos centímetros, leves deslizes, imperceptíveis ao leigo. Entre o ouro, a prata e o bronze minúsculos traços fazem a diferença. Eles fazem parte da turma de eleitos que, desde muito cedo, descobriram o sonho e o perseguem, obstinadamente. Eles são a história do esporte.

25.08.08

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A primeira impressão é a que fica



Eu não conhecia Curitiba. Fiquei surpresa. A cidade recebe o visitante como uma moça formosa. Bem cuidada e educada. Uma aristocrata. Vanguardista e organizada, cuida de cada detalhe como uma dona-de-casa preocupada com o bem-estar da família e o bem-receber as visitas. Canteiros de amor-perfeito e de flores silvestres embelezam a cidade com uma delicadeza ímpar.

Sábia, herdou dos imigrantes europeus o gosto pela manutenção do antigo, forma de manter a singularidade do lugar. Em cada recanto percebe-se a beleza singela da menina que foi e os ares futuristas de cidade moderna e ousada.
Dizem que os seus moradores parecem distantes, um pouco frios. Não senti. Provavelmente, tenham percebido o quanto gostei do chão vermelho deles. Retribuíram-me o encanto.
Adorei! Curitiba. Recomendo a visita a quem aprecia o cheiro de história em cada casa, em cada calçada de pedra, em cada muro, em cada árvore. Tudo é preservado. Novo e velho de mãos dadas. Capricho, a flor da pele. Como uma boa anfitriã.

29.08.08

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A necessidade do silêncio



Quando o meu marido começou com a idéia de comprar um sítio para dar continuidade aos sonhos de vida, após a aposentadoria, fui logo dizendo: o sonho é teu, eu não garanto que vou querer ficar lá, preciso de uma base em Pelotas- RS, para ver gente, civilização e movimento.

Para a minha surpresa, AMO o sítio. O silêncio, a paz, o ar, o verde das árvores, a rusticidade da casa, apanhar laranja do pé para comer, ou apenas ficar admirando-as. Ah! e as bergamotas, as que na minha terra eram chamadas de vergamotas com V mesmo. Tudo me encanta.
Não sei qual foi o momento em que comecei a apreciar o silêncio. Talvez, com o início do curso de Filosofia, em que a tranqüilidade e a solidão eram essenciais para a leitura e compreensão dos textos. Hoje, me sinto confortável com ele. As atividades mais preciosas para mim dependem dele: ler e escrever.

Isto é paradoxal, tratando-se de uma pessoa amedrontada, até então, com a “possibilidade” de ficar só. Não sei se é a idade-da-maturidade, ou se é o construir-se leitora/escritora que a cada dia, sinto mais prazer em ficar comigo mesma. Tenho a paz e o sossego necessários para realizar pesquisas, colocar em ordem os pensamentos, fermentar (dentro de mim) as crônicas e, principalmente, sentir a pulsação da vida.

No corre-corre diário, esta calma é impossível. Mal temos tempo de suprir as necessidades da existência, que dirá apreciarmos o pôr-do-sol, a beleza das nuances dos verdes das plantas, o canto dos pássaros e observar as galinhas ciscando no quintal. Alguém pode achar estas coisas simples demais. Pode ser.

31.07.08

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Idade da Mulher

Lucília Almeida Prado, escritora de livros infanto-juvenil, era a entrevistada do jornalista Roberto D’ávila do programa Conexão Nacional – TV Cultura. Filha de um barão do café do interior paulista, a escritora no auge dos 84 anos, que ninguém jamais diria, deu vida a uma linda passagem do livro Crime e Castigo, de Dostoiéwski, em que ele descreve a mãe do personagem central, Raskólhnikov, Pulkhiéria Alieksandrovna. Dostoiéwski destaca que ela ainda conservava vestígios de sua passada formosura e que aparentava menos idade do que aquela que realmente tinha. Para ele, isto só acontece com as mulheres que conservam a limpidez da alma, a frescura de impressões e o honesto e puro fervor do coração.
Este é o retrato de Lucília. O brilho nos olhos ao falar de seus livros, ao relatar as histórias dos imigrantes japoneses trabalhando nas lavouras de café de seu pai de sol a sol. O vigor e, ao mesmo tempo, a leveza de espírito e a alegria, em tudo me lembrou a Pulkhiéria, de Dostoiéwski.

Deve ser uma experiência deliciosa conhecer a sua obra literária.
30.06.08

terça-feira, 23 de setembro de 2008

A enorme chaga

Leio que 925 milhões de pessoas passam fome no mundo hoje. Este número pulou de 850 para 925 em 2007 por causa da disparada dos preços dos alimentos. A dramática informação foi feita pelo diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Jacques Diouf.

Segundo o diretor, é preciso investir US$ 30 bilhões ao ano para duplicar a produção de alimentos e acabar com a fome. “Este valor é modesto se comparado aos gastos com armamentos que chega a US$ 1,2 trilhão”. Em 2050, serão 9 bilhões de bocas famintas no mundo.

A informação me deixou com um gosto amargo na boca. Uma sensação de fracasso e medo tomou conta de mim. Não é impossível para quem faz mais de três refeições por dia, imaginar o vazio no estômago e na alma. A situação é dramática para ser, digamos, suave. É cruel. Atenção alimentados do mundo. Unimo-nos!

19.09.08

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A cidade do interior no coração

Eu venho de uma terra em que a gente conhecia as pessoas pelo nome e sobrenome. Sabia-se quem era pai de quem e onde moravam. Os programas eram os mesmos para a cidade inteira. Missa aos domingos. À tarde, passeio na praça central, até à hora em que o cinema anunciava o início da sessão com uma música característica. Sábado à noite, os jovens encontravam-se na mesma boate. Sabia-se tudo de todos. A situação financeira, onde trabalhavam, quem namorava quem, quem brigou com quem e tudo o mais.
Os jovens estudavam no Ginásio e na escola Normal (quem desejava seguir o magistério). A rivalidade dava-se no desfile de 07 de setembro. Quase sempre, o Ginásio ganhava com a melhor banda e o Normal pelos mais bonitos e caprichados carros alegóricos. A cidade parava. Ah! Os mais abastados freqüentavam o clube social. Eram tempos calmos e pessoais. Tempo em que as crianças brincavam na rua e não tinham medo de quem passava. Tempo em que a palavra valia mais que um papel. Tempo, em que se tinha tempo. Para os amigos e para as visitas. Tempo, sem internet, fax, celular, computador e scanner.
Eu saí muito jovem de minha terra. Direto para Porto Alegre. Morei em Salvador e Recife, mas jamais perdi a “cidade do interior” eternizada dentro de mim. Adoro saber o nome das pessoas, saber que a dona da ferragem já é avó, que a filha da vizinha vai casar e cumprimentar os conhecidos no supermercado. Sinto-me em Soledade. Sinto-me em casa.


23.08.08