terça-feira, 28 de outubro de 2008

Ler para não crer



Eu morro e não vejo tudo. Esta expressão herdei de minha avó que deve ter herdado da avó dela. Eis a razão do assombro. Há várias comunidades no orkut defendendo que a menina Eloá deveria morrer porque era uma prostituta que há três anos andava transando com os meninos. Eu custo a acreditar nisto. Em pleno século XXI, jovens com este pensamento!

Será que voltou a inquisição e não me avisaram? A fogueira é outra, é claro! Hoje possui um verniz sofisticado, é virtual, é mundial, mas não menos cruel. Hoje ela é apenas, planetária.

Admitamos que a menina tivesse um comportamento sexual livre, mas será que a intenção é mandar para a fogueira todas as prostitutas do planeta? Com que direito os moralistas de plantão se manifestam desta forma? Quem os nomeou arautos da defesa dos pobres meninos ingênuos e ludibriados? Esta é a pergunta que não quer calar. Que mundo estamos?

28.10.08

domingo, 26 de outubro de 2008

A novela da vida

Há algum tempo, ouvi o Manuel Carlos, autor de novelas da TV Globo, dizer no programa Sem Censura da TV Cultura algo que jamais esqueci. Quando alguém o aborda falando que sabe de uma ótima história que pode virar uma novela, ele logo pensa: não dá. “A vida é tão cheia de detalhes, de riqueza de sentimentos”, que a ficção jamais vai conseguir retratá-la” ipses literes.

De tempos em tempos, ouço histórias reais humanas de vida e lembro dele. Como esta: o filho de aproximadamente 35 anos e desde os 15 ou 16 é alcoólatra e viciado em cocaína, crack e demais drogas pesadas alucinógenas que encontrar pela frente. Já percorreu todos os caminhos que muitos dependentes já o fizeram. Psiquiatras, internações em instituições, já vendeu a roupa do corpo para comprar drogas, já roubou, já perdeu mulher e filho, melhorou, ficou um ano sóbrio, a mulher e o filho voltaram. Uma trégua para todos.

Apenas uma cheiradinha inocente e a queda vertiginosa ao vício pela enésima vez. Retorno à instituição e a fuga de lá como conseqüência. No momento, o apelo assustador e arrasador ao crack. Passa as madrugadas batendo na janela do quarto da mãe para pedir dinheiro. Pode ser 5,00 ou 10,00 ou 15,00 reais. Para o crack. é claro! A mãe dá! Imaginem o horror desta mãe. A tortura! A dor, no cerne! Talvez pela falta de opção, ou por medo. Medo da morte, do roubo, da polícia, da prisão, da briga e da perda. Da perda da esperança.
Do terror de perder o amor levado pelas águas turvas do desespero para sempre. E da perda de si mesma!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Os contornos e os transtornos do amor

O amor tem contornos e transtornos que até Deus duvida. Para o bem, ou para o mal. Mas será que o problema está no amor, ou naquele que ama? Ou será que está na dificuldade em aceitar a perda da pessoa objeto do amor? Que formação ou deformação foi esta que fizeram contigo? Que apelos tão fortes o fizeram acreditar que não poderias perder?


Ninguém foge aos ditames sociais. Ninguém foge aos anúncios que apregoam o belo, o sarado, o carro novo, as belas garotas, o sucesso, a felicidade. Acreditamos neles. Uns mais, outros menos. Infelizes daqueles que acreditam demais e fracassam. Infelizes daqueles que não suportam a perda. Infelizes ,Lindembergues da vida.

Não consigo ter outro sentimento, somente uma pena dolorida de você. Muita pena.


21.10.08

domingo, 19 de outubro de 2008

A vida por um fio

Ela decidiu por um ponto. O derradeiro ponto final. O que sobra depois do ponto? Nada. Por isto se chama ponto final. Preparou cada detalhe. Escreveu duas cartas: uma para a filha e outra para uma sobrinha.Deixou os carnês de lojas a serem pagos sobre a mesa de refeições com os referidos pagamentos dentro de cada um, pois não queria o seu nome sujo na praça. Deixou os cartões de crédito e os documentos.

Sabia que somente duas pessoas tinham a chave da casa, a filha e o genro, mas não chegariam antes das seis da tarde. Fechou as janelas com cuidado, olhando para os lados. Desligou a tevê. Colocou os óculos sobre o bidê. Levou o botijão de gás para o quarto, tirou a válvula, trancou a porta e deitou na cama. O tempo que ela ficou ali não se sabe.

O genro lembrou que havia deixado uns documentos em casa, voltou para buscá-los por volta das treze horas e sentiu um terrível cheiro de gás, desde a entrada.Bateu duas vezes na porta do quarto da sogra e nada. Ele arrombou-a a pontapés. A mulher encontrava-se imóvel e branca como um papel. O genro interrompeu a decisão. Para o bem ou o mal da mãe da sua mulher.

Que nome podemos dar a isto? Quem sabe?



14.10.08



terça-feira, 14 de outubro de 2008

A vida como ela é

Esta história me chocou. Depois, respirei fundo, e continuei chocada, mas por motivos diferentes. A de que uma senhora estaria alegre ou aliviada ou as duas coisas com a morte do marido. Num primeiro momento, fiquei espantada e disse: ai! que horror! que desalmada!
Após o susto, comecei a imaginar a vida que este casal construiu ou (des) construiu para que a viúva estivesse neste estado de humor depois de mais de 30 anos de vida em comum com o falecido.

Quem sabe das noites mal-dormidas, dos choros e das tristezas por causa de brigas, desentendimentos ou mal-entendidos? Quem sabe dos não-ditos, dos silêncios profundos e das mágoas acumuladas durante estes anos? Quem sabe das palavras ditas nas horas erradas e das não ditas na hora certa? Das pequenas decepções e das grandes? Quem sabe do olhar perdido e evasivo? Dos sonhos não realizados ou das expectativas frustradas? Quem sabe da miudagem, das coisas pequenas de que são feitos o dia-a-dia?

Ao que tudo indica parece-nos que na balança da vida os momentos bons não foram suficientes para suportar os não- tão-bons. Por fim, no coração de quem aperta o calo?

24.09.08

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A vida às avessas

Outro dia, uma amiga me disse que passou boa parte da vida sem rir. Imagine a tristeza! Motivo? Não gostava da boca. Que nem eu. A única diferença entre nós era o riso largo. Sempre dei boas e deliciosas risadas, apesar da boca. Até que um belo dia, alguém me disse que o meu sorriso era o destaque do rosto, a simpatia. A partir de então, passei a rir com outros olhos. Cada vez, mais pessoas corroboravam esta opinião. Fui me convencendo, aos poucos. O mesmo aconteceu com o nome – Terezinha – desde a mais tenra idade, achava-o sem graça. Qual é o charme de alguém se chamar Terezinha? Pensava. Até ouvir alguém dizer que quem faz o nome é a pessoa. Então, tratei de cuidar da pessoa. O nome era secundário. Dito e feito. A vida passou a ficar mais interessante e o nome, idem.

Com a minha amiga ocorreu o mesmo. Depois de sofrer por anos com um complexo que a tornava antipática e carrancuda, assumiu a boca e passou a rir das graças do mundo.
Lembro que durante a nossa troca de infortúnios - adolescentes, pensamos numa inversão à ordem da vida. Poderia ser ao contrário. Início, maduros, tranqüilos, assumidos como humanos, com as coisas boas e as nem tanto; estáveis no trabalho e na área financeira para podermos gozar a vida com o vigor e a energia de jovens. O término, como crianças. Criando histórias, brincando, inconseqüentes, ingênuos e puros.

E felizes! Com gosto de missão cumprida.

07.08.08

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Chegou a primavera

Chegou a primavera trazida pelo vento. A sensação para quem mora aqui no extremo sul do Rio Grande do Sul é a de que o vento chega para trazer as flores e levar consigo a umidade para o hemisfério norte. Todos afirmam por estas bandas que a cidade de Pelotas só perde em umidade para Londres.

Sinto na mudança de estação algo de renovador. Trocam-se as roupas. As do inverno são lavadas e guardadas para o próximo frio e as de verão que jaziam esquecidas vão diretamente para a máquina de lavar, ou para o tanque, ou para tomar sol. Descartes e doações também são bem-vindos.
As trinchas encharcadas de água sanitária não param. Tudo é lavado. Desde as paredes, janelas até as calçadas. Não escapam da faxina os edredons, cobertores e as pantufas. As janelas são abertas, não tanto como gostaríamos, por causa da ventania, mas já é o bastante para quem passou meses hibernando debaixo de uma neblina intensa.

O sol começa a aparecer e traz o calor para os olhares um tanto descrentes dele. Os ufólogos, se morassem em Pelotas, teriam a certeza da inexistência de ETs , se não já teriam aterrissado por aqui trazidos pelo vento primaveril.

Acredito que as pessoas magras devem andar na rua com pedras nos bolsos para não correrem o risco de serem levadas para planetas desconhecidos. O vento parece chegar para fazer a troca de energia necessária à vida. Nas casas, nas ruas e despertar as flores do sono profundo.


Li uma vez em algum lugar do passado que a sabedoria da vida está em aprendermos a conviver com todas as estações. O vento é o nosso teste do momento.


02.10.08

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A troca de favores

Uma amiga me disse que vai votar no candidato que consertar as linhas telefônicas da região em que ela mora. Fiquei pensativa. Não perguntei se ela sabe qual é o papel do vereador. Era evidente, a resposta. Até porque fazer leis não conserta rede telefônica.

Ela transfere a procuração de poder ao candidato por pequenos rolos de fios.
Eu conheço bem este mundo. Trabalhei como assessora de imprensa de um vereador em duas gestões em Pelotas. Os lamentos na Câmara de Vereadores são meus conhecidos. As pessoas chegam para pedir. Uma cadeira de rodas, uma consulta médica e preparação de papéis para a aposentadoria. Indicação para emprego liderava a lista de pedidos e, muito, muito, mais.

Eu ficava impressionada com a infinidade das carências e, pior, com a incapacidade do Estado em supri-las. A necessidade maior era a falta de informação. O não saber como as coisas do dia-a-dia funcionam torna o mundo indecifrável e impossível. A solução passa a ser o vereador porque eles sabem que têm na mão uma moeda de troca preciosa. Triste realidade.

02.09.08