quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Contas da vida



Os meus 54 anos me ensinaram muitas coisas. Coisas para guardar, coisas para mudar e coisas para jogar fora. Dentre as coisas para jogar fora está a pressa. Pressa para o dia render. Pressa por pressa. Pressa para ler e dar conta de outros tantos livros que me olham, pacientemente, há meses. Pressa para falar. Pressa para fazer as refeições. Pressa para escrever. Pressa para ouvir os tormentos alheios. Pressa para curtir o por do sol. Pressa para tomar o chimarrão. Pressa para aprender. Pressa para desaprender. Pressa para admirar as flores da buganvília. Pressa para respirar. Pressa para emagrecer. Pressa para apreender o essencial.

Dizem que o apressado come cru. O povo sabe das coisas não por acaso. Milênios o ensina.

17.09.08

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Sempre aos domingos

Aos domingos, os rapazes visitavam as namoradas no internato. Durante a sesta das moradoras, eles chegavam. Quietos, para não chamar a atenção da chegada. Não era proposital e nem pré-determinada a atitude. Era assim. Como um acordo tácito entre as partes. Éramos em torno de quatro ou cinco meninas em idade de namoro. Havia uma única sala para visitas. Era o lugar onde ficávamos. Na verdade, o namoro era em grupo.

Um domingo, a madre superiora interrompeu o acordo. Chegou, sorrateira. Fiquei alguns segundos sem respirar. Não sei os demais. O que ela teria vindo fazer? Acabar com as visitas domingueiras? Passar um sermão? Colocar regras e horários, ou nada disso?

O grupo manteve a conversa e o bom-humor. Pelo menos, na aparência. E como uma orquestra começou a tocar o instrumento com uma afinação sem igual. A solução foi inusitada. Um de cada vez falava sem parar. A conversa não permitia brechas para a madre dizer a que veio. De tudo foi lembrado. Do aniversário do dia anterior, da festa do próximo domingo, do sucesso da quermesse para angariar fundos para a construção do ginásio de esportes, dos novos jogos adquiridos pelo colégio, do destaque de algumas internas nos campeonatos de vôlei e pingue-pongue da cidade, dos preparativos para o aniversário dela no próximo mês e muito mais. Como uma partida de vôlei. Quando alguém pegava a bola, passava para o outro e chegava à rede para marcar ou não o ponto, mas não interessava.


A madre abria a boca e era logo interrompida. O que ela teria vindo fazer naquele dia e naquele horário como intrusa entre os jovens apaixonados? Depois de 40 anos, às vezes me pergunto: o que ela pretendia nos dizer? Será que ela nutria algum temor? Será que ela não aceitava as visitas? Nunca soubemos.

De repente, ela levantou-se, calma, alegre, e foi embora. Sem dizer uma palavra.

28.11.08