domingo, 30 de novembro de 2008

As confissões que não confessam




Assisti ao filme As Confissões de Henry Fool. Ele é perturbador, deprimente e violento. Apresenta o submundo americano, leia-se o mundo da maioria dos imigrantes clandestinos, de uma maneira notável. Mostra que nem sempre o acreditar no sonho e o persegui-lo com obstinação são razões suficientes para o sucesso e o reconhecimento público.

O fator sorte, o estar no lugar e na hora certa fazem toda a diferença. Mas, quando o lugar e a hora são errados? Bem, então é o caos em toda a sua plenitude.

Na verdade, as confissões não confessam porque o escritor é enterrado-vivo pelo seu tempo. Se até Monet vendeu apenas um quadro em vida, fica o registro - consolo para os incompreendidos pelos seus contemporâneos. E a dica para que assistam ao filme.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Amizade

Uma das passagens mais marcantes que li sobre a amizade foi no livro Saber Envelhecer Seguido de A Amizade, de Cícero, em que ele diz que a amizade vale mais que o parentesco porque você pode ter parente sem amizade, mas não pode ter amigo sem amizade.

Ele destaca de que a amizade não é senão uma unanimidade em todas as coisas divinas e humanas, acompanhada de afeto e de benevolência. E pergunta – não seria ela, excetuada a sabedoria, o que o homem recebeu de melhor dos deuses imortais.
Acredito que Cícero interpretou como ninguém este sentimento profundo e confortante dos humanos. Sentimento que nos aquece o coração nos momentos difíceis e naqueles em que necessitamos extravasar a alegria da alma. Amigo é um bálsamo da vida. Como água fresca nos dias em que o calor nos consome o corpo.

Eu tenho uma amiga, alma gêmea. Quase não nos falamos, mas somos amigas. Parece que a fala é dispensável entre nós. A amizade alimenta o espírito e nos conforta. Sempre. Ela sabe o lugar em que está guardada a nossa amizade. Eu também sei. É um privilégio ter uma amiga assim. Nas horas de aperto, de dúvidas, ou de contar as coisas boas, sabemos onde a outra se encontra. Temos a certeza da alegria e do compartilhamento mútuo.


Eu aplaudo as conquistas, a filha, o marido, o trabalho, os cursos dela como se aplaude as conquistas de um filho. Com amor, pleno!






12.03.07

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Agradecimento público ao Saramago



Quando ainda estava indecisa em aventurar-me pelo mundo da literatura, li esta pérola de ninguém menos que o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 – o português, José Saramago: “todos nós somos escritores, todos nós escrevemos (fazemos) histórias, a diferença é que alguns escrevem, outros, não”. A interpretação pode ser esta: todos nós somos escritores, eu faço parte deste todo, então, eu também sou (posso ser) uma escritora.

O silogismo (as afirmações e as deduções) está correto. Perfeito. Então, mãos à obra. A partir deste dia, o ato de escrever tornou-se o motivo maior para eu pular da cama toda a manhã, depois dos exercícios físicos na academia da Luíze.

A crônica é o resultado final de um processo de maturação de uma idéia, de pesquisas, do olhar atento, da busca da palavra certa, da clareza, da expressão do sentimento, das rememorações no baú das lembranças, do cuidado para não expor as pessoas e da criação de um estilo.
Anoto muito. Idéias, palavras, expressões e sentimentos. Em muitas vezes, a memória falha quando a necessito. Inúmeras ocasiões, levanto da cama para anotar algo de que lembrei, li em algum livro, ou assisti na tevê. É comum acordar com um novo termo, uma nova expressão ou um novo título para substituir o já escrito.

A experiência é valiosa. Da jornalista que sou para a escritora que me torno, a diferença é o estilo. O amor, é o de sempre. Obrigada pela força, Saramago. Vou me apropriar do seu Ensaio Sobre a Cegueira para enxergar o essencial. Com certeza, pois.

04.09.08

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

EUA surpreendem o mundo

Lembro do primeiro dia em que o queijo chegou à mesa do café da manhã. Bonito, viçoso e a casca em volta tinha uma espécie de cera cor de rosa. Lembro de alguém falar que ele havia vindo dos Estados Unidos. Eu fiquei perplexa com a bondade deste lugar. Não sabia direito onde ficava, mas me disseram que ficava bem longe de Soledade. Esta história me marcou. Tanto, que estou contando-a hoje. Talvez, a única coisa boa que ouvi deste lugar em criança.

Mais tarde, não lembro quem contou de que os negros eram tratados com muita discriminação nos Estados Unidos. A tal ponto, que eles não podiam usar o mesmo banheiro que os brancos e nem sentar-se com eles nos ônibus. Não sei bem a disposição em que ficavam - se o ônibus era dividido ao meio no comprimento ou pela metade, em que uns ficavam na frente e os outros atrás. Eu fiquei sem palavras. Não podia ser verdade esta história, se até queijo eles mandaram para o internato.

Outro dia marcante foi em novembro de 1963, no momento em que encontrei uma irmã em prantos pelos corredores. Perguntei: - irmã, por que a senhora chora tanto? Ela me olhou com os olhos vermelhos e inchados, ameaçou me contar o motivo, e saiu correndo aos soluços. Depois soube por alguém que havia morrido o presidente Kennedy, dos Estados Unidos, assassinado!

Naquela época, as informações não eram instantâneas. A tevê nem transmitia uma imagem nítida em minha cidade. Era só chuvisco. E as crianças não ficavam sabendo das notícias do mundo. Aliás, nem tínhamos tempo para isso. As brincadeiras ocupavam todo o nosso interesse.

Eram outros tempos. Hoje, qualquer criança mexe em computador com muito mais destreza do que os adultos. Hoje, se perdeu muitas coisas e se ganhou outras tantas. Como o primeiro presidente negro da história do povo americano. Pela primeira vez um homem negro vai morar na Casa Branca, a casa mais poderosa do planeta. Quem contasse esta história há 50 anos, seria no mínimo chamado de louco ou de uma pessoa que sonhava acordado.

Há indícios de novos tempos no ar. Aguardemos!

07.11.08

domingo, 2 de novembro de 2008

A vocação

Quando assisto uma entrevista com o cirurgião plástico, Ivo Pitanguy, tenho a mesma impressão. A de que ele é um cirurgião do corpo e da alma das pessoas. A de que ele capta as necessidades do espírito em primeiro lugar. É um reparador, mas, sobretudo, um esteta. Não é por acaso. A sensibilidade e a humildade que ele transmite são impressionantes.

A fala é pura poesia. Talvez por isso, consiga apreender o essencial nas pessoas que o procuram. As dores não ditas, muitas vezes, nem aparentes ao outro, apenas a quem as sentem. Mais ou menos como a dona-de-casa que ao receber elogios pela beleza e organização dos ambientes, esconde secretamente os pequenos defeitilhos que somente ela conhece.Para os demais, passa imperceptível a desarmonia. Mas para quem sente a feiúra estampada, o complexo que o dilacera, o não conseguir olhar-se no espelho ou sentir-se confortável com o álbum de fotografias, é dolorido.

Lembro de uma amiga que sofria terrivelmente porque achava o ossinho do pulso muito acentuado. Ora, cá entre nós, será que alguém repara num ossinho tão insignificante? Acredito que ninguém. Somente ela.

Para mim a diferença entre ter talento e ter vocação é a seguinte. Alguém pode ter talento para cozinhar, mas a elaboração de pratos saborosos não é o que o arrepia. Já a vocação é o contrário. Parece que a pessoa nasceu para fazer uma determinada coisa. É um caso de amor natalício.
Sinto que Pitanguy faz da cirurgia plástica o poema de sua vida. O sucesso? É decorrência. Não poderia ser diferente.


08.10.08